quinta-feira, 14 de maio de 2015

O Estado segundo Bourdieu

Ainda continuamos a trazer textos do Sul país mais precisamente do site que muito gosto Estado de Direito lá do Rio Grande do Sul abordando um assunto pertinente a nosso blog a “Educação”

26 de abril de 2015 | Jorge Barcellos
Jorge Barcellos – Doutor em Educação pela UFRGS, Chefe da Ação Educativa da Seção de Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Uma obra que deve ser de leitura obrigatória dos operadores de direito acaba de chegar ao Brasil dois anos após seu lançamento na França. Sobre o Estado, de Pierre Bourdieu (1930-2002), do autor de Questões de Sociologia, é a maior obra dos diversos cursos que proferiu ao longo dos vinte anos em que foi professor de Sociologia do prestigioso Collège de France. Como as aulas de Michel Foucault e Jacques Lacan, que geraram inúmeras obras, Sobre o Estado é apresentado como a primeira de futuras publicações dos seminários de Bourdieu no Collège, além de seus cursos na École Pratique des Hautes Études (EPHE) e na École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS).
Bourdieu ministrou vinte e quatro aulas sobre o Estado em um curso de três anos, entre dezembro de 1989 e dezembro de 1991. As edição das aulas foram fixadas por Patrick Champgane, Remi Lenoir, Franck Poupeau e Marie-Cristine Rivière a partir dos textos escritos, comentários orais e anotações nas margens dos textos num processo de transcrição que passou por ligeiras correções estilisticas para preservar o tom didático assumido por Bourdieu em suas aulas, talvez um dos maiores méritos da publicação. De facil leitura, a obra trata de tema já introduzido pelo autor em um capitulo de A Nobreza de Estado e em artigos no final dos anos 70. A rigor, a palavra “Estado” só aparece nos livros de Bourdieu publicados a partir do início dos anos 80, a partir de sua aula inaugural no Collège de France. Por diversas vezes, Bourdieu se referiu ao conceito de “Estado” sem expressá-lo diretamente, referindo-se a ele como “ideologia dominante”, “representação política”, “ciências do governo”, etc. Não fazia uma análise crítica quando usava expressões como “Estado-providência” ou “Estado-nação”.  Um artigo intitulado “Descrever e prescrever: as condições de possibilidade e limites da eficácia política”, chegou a circular nos cursos de graduação em ciência política, mas não era suficiente para dar uma ideia geral da concepção de Bourdieu sobre o Estado.
A publicação de Sobre o Estado vem para suprir esta lacuna entre os leitores de Bourdieu. Superando a concepção marxista que vê o Estado como “aparelho a serviço da classe dominante”, Bourdieu enuncia a sua  de estado como “instância oficial, reconhecida como legitima, isto é, como detentora do monopólio da violência simbólica legitima” em 1984, na primeira edição de Homo Academicus, um fascinante estudo sobre as relações de poder no meio universitário. Quer dizer, até a publicação de Sobre o Estado, Bourdieu oscilou entre uma concepção de estado como instituições e agentes sociais, que são produtores/produtos do Estado.
A razão disso é a dificuldade que há, para os franceses, de distinguir entre serviço burocratizado e serviço público, isto é, elaborar um conceito do que seja um bem público propriamente dito. Sobre o Estado, de certa forma, é um “cavalo de batalha” para pretensões engajadas do autor: foi na época das aulas que originaram esta obra que  Bourdieu volta sua crítica às políticas neoliberais, justamente as que retiram a responsabilidade social do Estado e pregam o desmantelamento da coisa pública. Bourdieu era totalmente contrário a esse movimento e o estudo do Estado aprofunda o estudo de sua famosa teoria dos campos porque trata de incluir o campo das instituições estatais.  A importância do estudo do Estado, para Bourdieu é evidente: é o campo por excelência, é o campo onde desaguam as lutas efetuadas nos diferentes campos – econômico, artístico, etc.
As fontes utilizadas por Bourdieu já foram utilizadas em estudos anteriores: seja suas pesquisas feitas na Cabília, seja sua pesquisa feita com camponeses do Béarn ou ainda seus estudos sobre alta função pública, oque vemos em Sobre o Estado é a elaboração de um modelo genético do Estado central a todas as formas de dominação. Na situação do curso elaborada por seus editores emerge a síntese da proposta: “O Estado não se reduz a um aparelho de poder a serviço dos dominantes nem a um lugar neutro de reabsorção dos conflitos: ele constitui a forma de crença coletiva que estrutura o conjunto da via social nas sociedades fortemente diferenciadas “(Sobre o Estado, p.493).
Bourdieu inicia seu curso recuperando a tradição de estudos do Estado na obra de Perry Anderson e Barrington Moore. Por esta razão, concentra-se na gênese do estado francês e inglês tanto para ver a gênese da lógica estatal como a emergência do campo burocrático. Bourdieu vê a burocracia como um campo, mas também como o lugar onde recursos e lutas sociais estão em jogo. Nela está a  origem da concentração do monopólio da violência, numa inspiração que remete aos estudos de Norbert Elias e Charles Tilly que oferecem, de um lado, a ideia da concentração da força armada a partir da burocracia e por outro, a ideia da concentração do capital econômico na cidade “O Estado é o principal produtor dos instrumentos de construção da realidade social”, diz Bourdieu. Ele resgata ao longo da obra o fato de que os ritos do Estado produzem divisões sociais e difundem princípios de divisão e organização da visão de mundo das demais classes sociais.  A sua afirmação do “Estado como campo em que se desenrolam lutas tendo por objeto o poder sobre outros campos” é uma das mais brilhantes concepções de poder, mas é, ao mesmo tempo, problemática para os pesquisadores: como narrar simultâneas lutas sociais? Não deixa de ser fascinante, no entanto,  a ideia de que o capital jurídico é apenas um aspecto do capital simbólico encarnado na esfera do Estado: é por esta razão que, combinando monopolização e universalização do poder, Bourdieu nos apresenta uma proposta fascinante para a compreensão do estado moderno sob a influência neoliberal.
Bourdieu começa suas aulas analisando o Estado dinástico em primeiro lugar para depois o Estado “estatal”, quer dizer, faz um caminho que vai “da casa do rei à razão de estado“ onde o triunfo do estatal é apenas o campo no qual são construídas um conjunto de novas realidades pelas ” instituições participantes do público” . Bourdieu descreve em suas aulas como inventa-se as instituições burocráticas do Esado que vão do escritório ao secretário, de assinaturas à decretos e toda uma série de registros descritos em um método que muito se assemelha a genealogia proposta por Michel Foucault. A diferença fica no fato de que, enquanto para o primeiro, o espirito do marxismo se faz presente na defesa da ideia de dominação, no segundo, a crítica à ideia de dominação se faz pela defesa da existência do que Foucault chama de “dispositivo”. O que tem repercussão na análise de fatos contemporâneos: assim, não é possível mais compreender, por exemplo, a natureza do estado brasileiro sem analisar a constituição dos elementos de seu universo burocrático e o poder que o Estado assimilou no período  republicano, eis a primeira inspiração de Sobre o Estado.
Mas há mais. O que é inovador na obra de Bourdieu é a descrição da dimensão simbólica do Estado,  isto é, sua visão dele como espaço de relações de força e sentido, produtor de princípios de classificação, de estruturas mentais, numa espécie de “teoria materialista do simbólico [que] tem que dar conta dessa obediência generalizada de que se beneficia o estado sem apelar a coerção” (Sobre o Estado p. 22). Ora, não foi exatamente este o ponto dos movimentos de junho, uma revolta contra a obediência ao Estado protagonizado pelos jovens? Por esta razão, em suas aulas Bourdieu dá um papel especial ao nascimento dos parlamentos na França e Inglaterra no séculos XVIII: é ali que está o nascimento da autonomia da esfera política, é ali que se dá propriamente o nascimento da razão política, alí é o lugar da gênese daquilo que se convencionou chamar de razão de estado “ele se autonomiza, se diferencia e, porque se diferencia, torna-se o lugar de uma luta” (Sobre o Estado, p.117). À maneira de Marshal Sahlins, Bourdieu combinando a história dos indivíduos com a estrutura e mostra que os parlamentos são a mais dinâmica das estruturas do Estado porque são  o “lugar onde, sobre problemas conflituosos que opõem grupos de interesse, debate-se de acordo com as formas, segundo as regras, publicamente’ (Sobre o Estado, p. 145.). Por essa razão, a metáfora do teatro é apropriada para descrever a política, já que sempre “há pessoas que puxam os fios e que as verdadeiras implicações estão em outro lugar” mas isso não quer dizer que não faça sua enérgica defesa adiante “o parlamento é o lugar da política legitima, o lugar em que se institui uma maneira legitima de formular e regular os conflitos entre os grupos” (Sobre o Estado p.199).
Outro ponto de notável intuição de Bourdieu em suas aulas refere-se a constatação da existência de um “mercado jurídico” já no século XII na Europa definido pela existência de vários direitos mutuamente exclusivos nas jurisdições laicas à religiosas e dos comuns às das cidades. Ora, não estaria aí a origem da enorme complexidade – para evitar o termo “confusão” – existente hoje no campo da interpretação jurídica dos operadores de direito? Quer dizer, para a constituição do estado moderno é problemático que o próprio campo do direito esteja em estado de tensão permanente, de conflito de produção legal e sua interpretação,  eis a questão. E o que dizer da descrição que Bourdieu faz das relações entre o rei e o parlamento? Ora, ao questionar que tipo de poder tem o parlamento na época da monarquia, ele mostra que ali foi o parlamento que impôs um limite a ação dos reis – através dos selos reais o que sugere pensar, por que “cargas d’água” o parlamento atual é tão subordinado ao Poder Executivo,  por que não consegue impor seus limites.
A edição da Cia das Letras é bem cuidada, com a tradução primorosa de Rosa Freire de Aguiar e tem uma vantagem de possuir em relação ao original francês da Editions Raisons d’Agir uma introdução de Sergio Miceli, um dos responsáveis pela divulgação do pensamento de Bourdieu no Brasil. Orientado pelo próprio Bourdieu no clássico da sociologia brasileira no seu Intelectuais e Elite Dirigente no Brasil, Miceli enfatiza na análise de Bourdieu o papel central que os juristas tiveram na transição do estado absolutista para o moderno, o que sugere, aos estudiosos do Estado brasileiro o estudo sobre o papel dos advogados, procuradores e de todos os atores diretamente ligados à justiça no corpo do estado como também dos parlamentos “os juristas se aferraram à elaboração de justificativas em favor de uma única jurisdição”, afirma Miceli, o que, de nosso ponto de vista, é uma sugestão inestimável de pesquisa: não estaria nas origens da burocratização do estado brasileiro o papel proeminente que adquiraram advogados e procuradores na condução de processos de estado.Quer dizer, tais atores, suas interpretações e tecnologias, como funcionários da burocracia, não terminam por dar a sua função uma fachada racional e transparente enquanto exercem do interior do Estado uma armadura cujo único objetivo é exercer poder? As propostas de Bourdieu em Sobre o Estado são de grande atualidade, exatamente como Miceli mostra em relação a votação da Ação Penal 470, o Mensalão, mas basta uma varredura, no Executivo e no Legislativo, para encontramos inúmeros outros exemplos, outra razão para lermos Bourdieu urgentemente.
SOBRE O ESTADO .Autor: Pierre Bourdieu. Editora Cia das Letras, julho de 2014
Tradução: Rosa Freire de Aguiar

Quando a Filosofia vai ao Planalto

Hoje publico um texto de um site que acompanho chamado Estado de Direito que trata da Filosofia e da Política alvos de nosso blog !

De vez em quando a filosofia vai ao planalto. é que, como nos diz Victor Hugo em Os Miseráveis: “Chega sempre a hora em que não basta protestar; após a filosofia, a ação é indispensável”. Existe um ditado árabe que diz: “Homens são como tapetes: às vezes precisam ser sacudidos”.
A primeira vez que a filosofia foi ao planalto foi com Sócrates. pessoa de posses, largou o que tinha para ser um mendigo. trajado com sumaríssimas roupas, descalço, falava em praça pública, rodeava-se de jovens, e não perdia uma oportunidade quando o convidavam para um almoço ou jantar onde pudesse filosofar. falava com largueza de espírito, defendia que a guerra e a ideia de criar impérios não traria a felicidade aos homens. alertava os homens que as almas seriam julgadas no além pelos deuses e que a sabedoria era a verdadeira razão da existência humana. dizia: “ações corretas originam-se de pensamentos corretos”. foi julgado e condenado à morte por traição em Atenas em 399 a. C.
Depois, seu discípulo Platão, criou a universidade, retirou a filosofia da praça pública, e no regaço de seu quintal ensinava os jovens interessados em refletir, e escreveu obras eternas e universais como República – nesta obra, dedicada ao jovem governante de Siracusa, Dionísio II, o filósofo fala das armadilhas da soberba, dos interesses da corte, do cinismo dos amigos, do egoísmo e da ânsia dos homens pelo poder, da necessidade de colocar o interesse coletivo acima do particular, do papel da filosofia como alimento da alma, da proteção e da responsabilidade do governo, da ética e da temperança, da justiça e da humildade, e da apatia e desinteresse dos homens pelo conhecimento (por exemplo, no Mito da Caverna). morreu naturalmente e feliz, com um sorriso nos lábios, quando se deitou e foi conversar com os deuses (348 a. C.).
Não gostaria de tirar conclusões, apenas refletir: quando a Filosofia vai ao Planalto…
Autor: José Manuel de Sacadura Rocha é Sociólogo, graduado pela PUC-SP, mestre em Administração pelo Centro Universitário Ibero-Americano, com cursos de especialização em Marketing de Varejo pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Sistemas de Informação pelo Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). Professor de Filosofia e Filosofia do Direito, Sociologia e Sociologia Jurídica, Ciência Política, Teoria do Estado e Constituição, Antropologia, Hermenêutica e História do Direito, tanto nos cursos de graduação como nos de pós-graduação. Autor de Sociologia Jurídica: fundamentos e fronteiras; Ética Jurídica: para uma filosofia ética do Direito; Antropologia Jurídica – Geral e Brasil: para uma filosofia antropológica do Direito (publicados pela Elsevier); Fundamentos de Filosofia do Direito: o jurídico e o político da antiguidade a nossos dias; e Michel Foucault e o Direito.